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MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics
e-ISSN 2594-9187
https://doi.org/10.30800/mises.2025.v13.1594
Joanderson da Silva
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Joanderson da Silva é graduando em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), dedicando-se a estudos nas áreas de planejamento urbano, políticas habitacionais, orçamento público, teoria monetária, ciclos econômicos, ordem espontânea e instituições, epistemologia econômica, capacidades estatais e inovação na gestão pública. Possui experiência em atividades de pesquisa e extensão universitária, com ênfase na análise de programas habitacionais, como o Programa Minha Casa Minha Vida, bem como na avaliação de políticas públicas relacionadas à educação, resíduos sólidos, mobilidade urbana e sustentabilidade. Participou de imersões acadêmicas e desenvolveu estudos voltados ao mapeamento de conjuntos habitacionais e à avaliação da efetividade das políticas nacionais. Além de sua formação principal, interessa-se por temas como economia política, filosofia política e metodologias aplicadas às ciências sociais. Atualmente, atua como monitor acadêmico e integra o projeto “Diálogos: reflexões e práticas com foco no aprimorando da gestão pública” que buscam fortalecer a participação social, aprimorar a capacidade estatal e promover a análise crítica de políticas públicas no contexto brasileiro. E-mail: joandersonsilva919@gmail.com
Ao longo da história das ciências, poucos homens dedicaram sua vida à ciência política de forma tão proeminente e produtiva quanto Friedrich A. Hayek (1899-1992). Suas ideias políticas e econômicas foram paulatinamente debatidas, discutidas, aplicadas e analisadas à exaustão, enquanto sua filosofia permanece negligenciada no meio acadêmico, tanto no campo da economia quanto das ciências sociais. Além disso, seu pensamento é frequentemente reduzido a uma visão panfletária sob a ótica política do chamado “neoliberalismo reacionário”. Entretanto, apesar da hostilidade enfrentada por sua filosofia política, Hayek é, sem sombra de dúvidas, um dos maiores intelectuais no debate político do século XX. Assim, o objetivo desta resenha é fornecer uma descrição cuidadosa de seu pensamento político, uma perspectiva ainda amplamente negligenciada no ambiente acadêmico.
Em O Último Homem Liberal: Hayek na era do capitalismo político (2024), Vikash Yadav apresenta uma análise profunda sobre os desafios do liberalismo no século XXI, abordando tanto questões econômicas como políticas em um mundo globalizado. Yadav inicia a obra introduzindo a importância de revisitar textos clássicos do liberalismo para sua compreensão e fortalecimento frente às adversidades no contexto atual que incluem o ressurgimento de políticas protecionistas, embates políticos e ideológicos autoritários no contexto internacional. Um dos argumentos centrais citados por Yadav é a ascensão do que Branko Milanovic denomina de capitalismo político”, modelo econômico presente em países como China e Vietnã, onde o crescimento ocorre em meio a um controle político centralizado (p. 23). Esse fenômeno é discutido na obra sob a ótica das imposições colocadas às economias de livre de comércio e liberais, principalmente devido ao aumento da desigualdade e à fragilidade de políticas meritocráticas e capitalistas. O autor também discute a emergência de valores globais e regionais que coexistem dentro de sistemas econômicos concorrentes. A dependência do consumo sustentado por dívidas e a perda da influência da chamada Ordem Americana (AWO) são fatores que restringem as possibilidades de adaptação do “capitalismo liberal”. A pressão sobre essas economias se intensifica à medida que sua influência global diminui. Além disso, a obra explora a relevância do pensamento de Friedrich Hayek, destacando sua contribuição para a compreensão do liberalismo e a necessidade de reavaliar certas interpretações de sua teoria. O autor argumenta que, ao invés de descartar por completo determinadas ideias, é essencial preservar os elementos mais produtivos do pensamento de Hayek, evitando simplificações e críticas pejorativas que distorcem seu legado. Dessa forma, busca-se evitar que a teoria política de Hayek seja reduzida a uma caricatura baseada em aspectos biográficos, ao invés de ser avaliada por seus méritos intelectuais.
Um ponto importante da obra é que seus capítulos estão organizados, intencionalmente, no mesmo formato de O Caminho da Servidão (1944), de Hayek, oferecendo ainda um epígrafe em cada um deles (p. 14). No primeiro capítulo, Yadav discute o abandono do laissez-faire em favor da ascensão de ideologias como o nacional-socialismo e o capitalismo de compadrio, gerando conflitos que colocaram em xeque a viabilidade e a defesa do liberalismo. O argumento central aqui é que, ao longo do século XX, o fluxo de bens, serviços e pessoas passou a ser regulado por meios coercitivos, minando os princípios do liberalismo e do livre mercado. No segundo capítulo, Yadav examina a análise de Hayek sobre como o socialismo, muitas vezes disfarçado, suplantou o conceito liberal de liberdade ainda antes da Primeira Guerra Mundial. O autor mapeia as semelhanças e diferenças entre o socialismo e o nacional-socialismo, argumentando que a rivalidade ideológica dentro do capitalismo político do século XXI se desdobra em novas direções, contrastando com as dicotomias tradicionais do século XX.
O capítulo também discute a leitura de Hayek sobre a Revolução Francesa como fundamental para entender as origens do socialismo e sua apropriação de elementos autoritários em detrimento da liberdade individual. Yadav argumenta que a priorização da liberdade econômica sobre a liberdade política ainda reverbera no capitalismo político contemporâneo, onde, em algumas sociedades, direitos civis são sacrificados em nome do “desenvolvimento nacional”. Ainda segundo Yadav, para responder às críticas socialistas sobre a precedência da liberdade econômica, Hayek não se opõe a regulamentações uniformes do Estado de bem-estar social e defende medidas como uma renda mínima dentro de um sistema liberal, diferenciando cuidadosamente essas propostas das promessas utópicas do socialismo (p. 80). No terceiro capítulo, o foco de Yadav recai sobre a classificação que Hayek faz do socialismo e do nacional-socialismo como variantes de um mesmo modelo coletivista, baseados na crença no planejamento centralizado (p. 99). A defesa dessa visão se apoia na análise de pontos de convergência entre essas ideologias e na crítica à interpretação de Walter Benjamin, que se opõe frontalmente fascismo e comunismo (p. 101). Em contraste, o liberalismo é apresentado como uma alternativa que valoriza a descentralização e a liberdade individual. No quarto capítulo, o autor aprofunda a crítica de Hayek ao planejamento centralizado diante da crescente complexidade das sociedades modernas e do avanço das tecnologias. Ele questiona tanto os entusiastas da tecnologia que acreditam que a inteligência artificial e o aprendizado de máquina podem justificar um retorno ao planejamento estatal (p. 121).
O quinto capítulo, por sua vez, traz à tona uma fragilidade no argumento de Hayek quanto à incompatibilidade entre o planejamento econômico centralizado e a democracia parlamentar. Segundo o autor, o coletivismo em Hayek requer a imposição de um código ético rígido e abrangente, o que representa uma ameaça ao pluralismo democrático. Em uma posição controversa, Hayek afirma que certos regimes autoritários poderiam, em algumas circunstâncias, garantir maior liberdade cultural e espiritual (p. 134). No sexto capítulo, Yadav aprofunda a defesa de Hayek ao Estado de direito como ferramenta essencial contra o avanço do planejamento centralizado. Em contraste com regimes de capitalismo político que priorizam o chamado “Estado por direito” — onde normas são moldadas para favorecer o controle estatal — Hayek valoriza um sistema jurídico que limite o arbítrio governamental e preserve o empreendedorismo (p. 149). O sétimo capítulo examina a visão de Hayek sobre a centralidade da economia em relação às demais esferas da vida. Segundo Yadav, é citando uma epígrafe equivocada de Hilaire Belloc que Hayek argumenta que as decisões econômicas antecedem outras formas de liberdade (p. 161). Em uma ordem liberal, há um constante tensionamento entre a autonomia individual e o papel do Estado. O oitavo capítulo trata da posição de Hayek sobre a desigualdade — econômica, religiosa e racial — dentro de uma sociedade comercial. Embora sua análise reconheça a presença inevitável dessas disparidades, sua aceitação passiva da desigualdade, sem defender avanços em igualdade formal, é vista como uma oportunidade perdida no debate contemporâneo (p. 177).
O nono capítulo introduz o argumento de Hayek a favor de uma renda mínima e um sistema de seguro social. Enquanto o décimo capítulo aprofunda a crítica de aos regimes totalitários, ressaltando que seus efeitos mais brutais não derivam de falhas acidentais, mas estruturas sistemáticas de incentivos (p. 189). O décimo primeiro capítulo trata da ligação entre propaganda e planejamento em sociedades coletivistas (p. 199). Segundo Hayek, como é impossível alcançar total consenso sobre uma hierarquia de valores, regimes e planejados dependem de doutrinação ideológica para manter sua coesão. O décimo segundo capítulo percorre a trajetória de intelectuais socialistas que migraram para o fascismo, com o objetivo de destruir o liberalismo (p. 215). O décimo terceiro capítulo examina a crítica contundente realizada por Hayek ao realismo nas relações internacionais e aponta figuras como engenheiros nazistas, empresários monopolistas e sindicalistas manipuladores como exemplos de totalitarismo disfarçado nas democracias modernas (p. 241). O décimo quarto capítulo desenvolve a defesa de Hayek à submissão às forças impessoais do mercado como essencial para o progresso da civilização (p. 273). O décimo quinto capítulo propõe uma alternativa ao nacionalismo e ao realismo geopolítico tradicional ao defender um federalismo pós-nacionalista que valorize o indivíduo acima da sua origem territorial ou étnica (p. 295).
Por fim, Yadav concluí sua obra reforçando a necessidade da revitalização do liberalismo por meio da sua adaptação ao contexto geopolítico e econômico atual. É nas próprias palavras de Yadav “Embora o federalismo tenha o potencial para controlar o poder soberano, expandir a liberdade individual, facilitar o fluxo de capital, bens e trabalho e promover a cooperação doméstica e internacional, ele precisa do liberalismo como ideologia orientadora.” (p. 319).