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MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics
e-ISSN 2594-9187
https://doi.org/10.30800/mises.2025.v13.1586

ARTIGOS DE PESQUISA

Felipe Gontijo Neves

0009-0003-3329-6047

Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF, Brasil

Bacharel em Economia pela Universidade Católica de Brasília (2023), especializado em teoria monetária, crescimento econômico, ciclos econômicos, história do pensamento econômico, metodologia econômica e macroeconomia em geral. Como economista do Instituto Brasileiro de Inteligência em Estratégia Sustentável e Bioeconomia (IBRIESBIO), braço técnico da Frente Parlamentar Mista do Biodiesel (FPBio), foi pioneiro no desenvolvimento de banco de dados e análises econômicas sobre a cadeia produtiva de proteínas no Brasil, com enfoque no biodiesel, com objetivo de criar políticas públicas que visam o crescimento do setor no Brasil. Há anos dirige suas pesquisas para a teoria econômica austríaca em geral, especialmente no tema dos ciclos econômicos. E-mail: felipeg.neves07@gmail.com

Matheus Silva de Paiva

0000-0001-9882-1496

Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF, Brasil

Bacharel em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia (2013), Mestre em Economia pela mesma instituição (2015) e Doutor em Economia pela Universidade de Brasília (2018). Atuou como Coordenador do Curso de Bacharelado em Economia da Universidade Católica de Brasília (UCB) entre 2020 e 2024. Atualmente, é Professor do Bacharelado em Economia, do Mestrado em Governança, Tecnologia e Inovação (MGTI/UCB) e do Programa de Pós-Graduação em Economia de Empresas (PPGE/UCB). Possui sólida experiência nas áreas de Economia Dinâmica e Economia Aplicada, com ênfase em Teoria dos Jogos Evolucionários. Nos últimos anos, tem direcionado suas pesquisas para os temas de Economia Monetária, Inovação Monetária, Bitcoin e Dinâmica Monetária. E-mail: st0ck3d@hotmail.com

Expansão Artificial do Crédito e Recessão: Uma Análise da Crise Brasileira de 2014-2016 à Luz da Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos

Resumo: Este estudo analisa a crise econômica brasileira de 2014-2016 sob a ótica da Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE). Parte-se da hipótese de que a recessão decorreu da manipulação monetária e da expansão artificial do crédito. Utilizando abordagem histórico-empírica, são investigados indicadores como oferta monetária, crédito, taxa de juros, PIB, emprego e inflação. Os resultados apontam que, desde 2006, houve forte expansão do crédito e redução forçada dos juros, estimulando investimentos excessivos em bens de capital, como construção civil e indústria. A partir de 2014, a reversão dos juros expôs a insustentabilidade desses investimentos, levando à contração do PIB e ao aumento do desemprego. Conclui-se que a crise pode ser explicada pela TACE, destacando a importância dessa abordagem na compreensão de ciclos econômicos induzidos por políticas monetárias expansionistas.

Palavras-chave: Crise econômica, Teoria Austríaca, Ciclo econômico, Inflação, Juros.

Artificial Credit Expansion and Recession: An Analysis of the Brazilian Crisis of 2014-2016 Considering the Austrian Business Cycle Theory

Resumo: This study analyzes the Brazilian economic crisis of 2014-2016 through the lens of the Austrian Business Cycle Theory (ABCT). It is based on the hypothesis that the recession resulted from monetary manipulation and artificial credit expansion. Using a historical-empirical approach, key indicators such as money supply, credit, interest rates, GDP, employment, and inflation are examined. The results indicate that, starting in 2006, there was a strong credit expansion and a forced reduction in interest rates, which stimulated excessive investments in capital goods sectors, such as construction and manufacturing. From 2014 onward, the reversal of interest rates exposed the unsustainability of these investments, leading to GDP contraction and rising unemployment. The study concludes that the crisis can be explained by the ABCT, emphasizing the importance of this approach to understanding business cycles driven by expansionary monetary policies.

Palavras-chave: Economic crisis, Austrian theory, Business cycle, Inflation, Interest rates.

Expansión Artificial del Crédito y Recesión: Un Análisis de la Crisis Brasileña de 2014-2016 a la Luz de la Teoría Austríaca de los Ciclos Económicos

Resumo: Este estudio analiza la crisis económica brasileña de 2014-2016 desde la perspectiva de la Teoría Austríaca de los Ciclos Económicos (TACE). Se parte de la hipótesis de que la recesión fue consecuencia de la manipulación monetaria y de la expansión artificial del crédito. Utilizando un enfoque histórico-empírico, se investigan indicadores como la oferta monetaria, el crédito, la tasa de interés, el PIB, el empleo y la inflación. Los resultados indican que, desde 2006, hubo una fuerte expansión del crédito y una reducción forzada de las tasas de interés, lo que estimuló inversiones excesivas en bienes de capital, como la construcción civil y la industria manufacturera. A partir de 2014, la reversión de las tasas de interés expuso la insostenibilidad de esas inversiones, provocando la contracción del PIB y el aumento del desempleo. Se concluye que la crisis puede explicarse mediante la TACE, destacando la relevancia de este enfoque para la comprensión de los ciclos económicos inducidos por políticas monetarias expansionistasis.

Palavras-chave: Crisis económica, Teoría Austríaca, Ciclo económico, Inflación, Tasas de interés.

Introdução

O triênio 2014-2016 configura um dos mais relevantes períodos de retração econômica da história recente do Brasil, sendo frequentemente comparado à crise da década de 1930, em virtude da severidade e profundidade da recessão. Após um ciclo de crescimento sustentado entre os anos 2000 e 2010, com destaque para a expansão de 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010 e a relativa resiliência frente à crise financeira internacional de 2008, a economia brasileira apresentou sinais de desaceleração a partir de 2011, culminando na recessão técnica instaurada em 2014 e aprofundada em 2015 e 2016.

Diante da gravidade do episódio recessivo e dos desdobramentos que repercutem até os dias atuais, o período em questão tem sido objeto de diversas investigações acadêmicas, com interpretações que variam conforme as matrizes teóricas adotadas. O presente estudo insere-se nesse debate, analisando a crise sob a perspectiva da Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE), arcabouço teórico que enfatiza o papel da expansão artificial do crédito e da manipulação da taxa de juros como catalisadores de ciclos insustentáveis de boom e bust.

Conforme a TACE, desenvolvida a partir das contribuições de Ludwig von Mises e Friedrich A. Hayek, políticas monetárias expansionistas, quando dissociadas da poupança voluntária, alteram a estrutura intertemporal da produção, induzindo a alocação equivocada de recursos em investimentos de longo prazo que, ao revelarem-se insustentáveis, provocam recessão e destruição de capital.

A pertinência dessa abordagem para o caso brasileiro justifica-se pelo ciclo de expansão do crédito e pela política de redução forçada da taxa de juros promovidos pelo governo federal, sobretudo a partir de 2006 e intensificados com a atuação anticíclica em resposta à crise de 2008 e pela chamada Nova Matriz Econômica (2011-2014). Esses elementos ensejam a investigação sobre a hipótese de que a crise do triênio 2014-2016 tenha sido resultado do ciclo de expansão e contração delineado pela TACE.

Assim, este estudo tem como objetivo analisar se a crise econômica brasileira de 2014-2016 pode ser adequadamente explicada à luz da Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos. Para tanto, a pesquisa está estruturada em quatro etapas: (i) revisão de literatura, apresentando as principais abordagens e interpretações sobre o período recessivo; (ii) exposição dos fundamentos teóricos da Teoria Austríaca do Capital e da TACE; (iii) análise empírica dos dados macroeconômicos brasileiros entre 2006 e 2016, com ênfase nos agregados monetários, crédito, taxa de juros, PIB, desemprego e inflação; e (iv) conclusão acerca da aderência dos postulados da TACE ao comportamento dos indicadores econômicos brasileiros no período em questão.

Revisão de Literatura

A crise econômica brasileira do triênio 2014-2016 tem sido objeto de ampla produção acadêmica, envolvendo distintas abordagens teóricas que buscam explicar suas origens, mecanismos e desdobramentos. Dentre as principais correntes analíticas, destacam-se: (i) a interpretação que atribui a recessão a erros de condução da política econômica doméstica, especialmente no período da chamada Nova Matriz Econômica (NME); (ii) a perspectiva que enfatiza choques externos e problemas estruturais como fatores determinantes da desaceleração e do colapso da atividade econômica; e (iii) a análise baseada na Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE), que focaliza a expansão artificial do crédito e a manipulação da taxa de juros como elementos geradores de ciclos insustentáveis.

Uma parcela significativa da literatura atribui a crise à condução equivocada das políticas fiscal, monetária e intervencionista durante os governos Dilma Rousseff, especialmente entre 2011 e 2014, período conhecido como Nova Matriz Econômica (NME). Essa interpretação é fortemente defendida por Barbosa Filho (2017), que identifica como principais determinantes da recessão a redução forçada da taxa de juros em um contexto inflacionário, a ampliação dos gastos públicos e a intervenção direta do governo em preços administrados e em setores estratégicos, como energia e combustíveis. Segundo Barbosa Filho (2017), o intervencionismo estatal, materializado na política de subsídios por meio do BNDES e na tentativa de eleger setores campeões nacionais, distorceu os preços relativos, gerando ineficiências na alocação de recursos. Esse quadro foi agravado pelo descontrole fiscal, que deteriorou as contas públicas e elevou o risco-país, provocando aumento das taxas de juros e retração dos investimentos privados a partir de 2014.

Carvalho (2018) argumenta que a principal causa da crise econômica do triênio 2014-2016 não reside no intervencionismo estatal per se, mas na natureza e no direcionamento das intervenções adotadas pelo governo Dilma Rousseff a partir de 2011, intensificadas em 2015. Segundo a autora, as desonerações fiscais demandadas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) enfraqueceram a capacidade do Estado de atuar como indutor do crescimento, comprometendo o modelo que havia sustentado a expansão do mercado interno entre 2006 e 2010. Em 2015, o ajuste fiscal implementado representou, em sua avaliação, o fator determinante que consolidou o quadro recessivo, agravado pelo acirramento da crise política que culminou no impeachment da presidente. Para Carvalho (2018), a opção do governo por transferir ao setor privado o protagonismo do crescimento, em detrimento do papel do Estado, e a priorização do setor externo em detrimento do mercado interno, resultaram em um colapso da demanda agregada, desencadeando a recessão iniciada em 2014.

No mesmo sentido, Holland (2017) destaca o uso excessivo dos bancos públicos como instrumentos de política industrial e a tentativa de reduzir spreads bancários por meio de interferências diretas no mercado de crédito. Tais medidas, segundo o autor, desorganizaram o sistema financeiro e criaram insegurança jurídica e regulatória, comprometendo o ambiente de negócios e afastando o investimento privado. Balassiano (2017), em sua análise comparativa do desempenho econômico brasileiro entre 1980 e 2015, demonstra que o período 2011-2015 foi particularmente adverso, apresentando os piores indicadores de crescimento do PIB e da produtividade em comparação com economias emergentes similares. Seus resultados sugerem que o desempenho inferior do Brasil decorreu majoritariamente de fatores internos, reforçando a tese do esgotamento do modelo intervencionista adotado no período.

Embora reconheça os equívocos da NME, Borges (2017) relativiza sua responsabilidade exclusiva pela crise, ressaltando a influência de fatores exógenos e domésticos adicionais, como a crise hídrica entre 2013 e 2015 e a Operação Lava Jato, que teria provocado um credit crunch e desorganizado cadeias produtivas relevantes, notadamente no setor de infraestrutura e na Petrobras.

Outra vertente da literatura enfatiza a importância de choques externos e limitações estruturais da economia brasileira como condicionantes da crise. Biancarelli, Rosa e Vergnhanini (2017) atribuem a recessão à deterioração dos termos de troca e à reversão do ciclo internacional de liquidez, elementos que teriam afetado severamente as exportações brasileiras e reduzido os fluxos de capital para economias emergentes.

Biancarelli, Rosa e Vergnhanini (2017) atribuem ao setor externo um papel central na eclosão da crise econômica brasileira de 2014-2016. Segundo os autores, os primeiros anos do período pós-2010 foram favorecidos por um ambiente internacional propício, caracterizado pela elevação dos preços das commodities e pela ampla liquidez global, o que beneficiou economias emergentes, incluindo o Brasil. Esse cenário, contudo, sofreu uma rápida reversão a partir de 2014, com a queda acentuada dos preços das commodities e o arrefecimento do ciclo de liquidez internacional. Esses fatores impactaram diretamente a balança de transações correntes da economia brasileira, que, até 2013, apresentava relativa estabilidade, mas passou a registrar déficits crescentes e instáveis em 2014, sendo somente revertidos em 2015. Esse desajuste externo teria, segundo os autores, exercido um papel determinante na intensificação da crise.

Além disso, os autores destacam que parte do problema se relacionou aos passivos externos acumulados pelas empresas brasileiras, embora ponderem que grande parcela dessas dívidas estivesse denominada em moeda nacional ou representasse operações intraempresariais. Assim, sustentam que o endividamento externo, naquele contexto, representava mais um desequilíbrio corporativo do que um risco sistêmico à solvência do país como um todo.

Em sentido oposto, Lara (2015) relativiza a influência dos fatores externos como explicação suficiente para a desaceleração econômica no período de 2011 a 2014. Embora reconheça que as condições internacionais tenham se deteriorado em comparação ao ciclo favorável observado entre 2004 e 2008, o autor defende que tal conjuntura não eliminou a autonomia da política econômica doméstica. A estagnação, segundo Lara, teria sido mais fortemente condicionada pela ausência de políticas industriais efetivas e de uma estratégia consistente de substituição de importações, capazes de mitigar os efeitos adversos do cenário externo sobre a estrutura produtiva interna. Essa lacuna resultou em retração dos investimentos e do consumo, enfraquecendo a demanda agregada e, consequentemente, comprometendo o desempenho do crescimento econômico brasileiro ao longo daquele período.

Serrano e Summa (2015) e Dweck e Teixeira (2017) adotam uma abordagem pós-keynesiana, argumentando que a desaceleração brasileira decorreu, principalmente, da contração da demanda agregada, impulsionada por ajustes fiscais e monetários prematuros. Segundo esses autores, o ajuste fiscal iniciado em 2015 desarticulou o mercado interno e comprometeu a renda das famílias, aprofundando o ciclo recessivo.

Carvalho (2018) segue linha semelhante, sustentando que a inflexão da política econômica em 2015, com a adoção de medidas de austeridade e a retração dos investimentos públicos, comprometeu a continuidade do modelo de crescimento baseado na expansão do consumo interno e na inclusão social. Para a autora, o corte de gastos e a elevação dos juros agravaram a recessão, ampliando seus efeitos negativos sobre o emprego e a renda.

Uma abordagem menos explorada na literatura nacional, mas que oferece uma interpretação alternativa sobre a crise, é a da Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE), desenvolvida por Böhm-Bawerk (1988), Mises (2010) e Hayek (1931). Diferentemente das abordagens neoclássicas e keynesianas, que tratam o capital como um agregado homogêneo, a escola austríaca compreende a estrutura produtiva como um processo intertemporal e heterogêneo. Os bens de capital são organizados em diferentes ordens, formando uma cadeia produtiva que vai dos estágios mais distantes do consumo (bens de ordens superiores) até os bens finais de consumo (bens de ordens inferiores).

Esse processo é regulado pela preferência temporal dos indivíduos, ou seja, pela relação subjetiva entre consumo presente e consumo futuro. Indivíduos que atribuem maior valor ao consumo presente tendem a poupar menos, o que eleva a taxa de juros. Por outro lado, uma maior disposição à poupança reduz a taxa de juros e permite o alongamento da estrutura produtiva, isto é, o direcionamento de recursos para investimentos de longo prazo e para bens de capital.

Esse conceito pode ser visualizado por meio do triângulo hayekiano, uma representação gráfica que ilustra a relação entre o tempo e os diferentes estágios do processo produtivo. Quando a poupança voluntária aumenta, a taxa de juros cai naturalmente e os recursos se deslocam para as etapas iniciais do triângulo, promovendo investimentos mais longos e sofisticados, o que tende a elevar a produtividade e o crescimento sustentável. A TACE postula, porém, que a manipulação monetária e a expansão artificial do crédito reduzem a taxa de juros sem que tenha havido um aumento correspondente na poupança real. Esse fenômeno é conhecido como poupança forçada. A taxa de juros artificialmente baixa induz os empresários a acreditarem que há recursos suficientes para financiar projetos de longo prazo, alongando a estrutura de produção de maneira insustentável.

Esse descompasso leva à má alocação de recursos, conhecida como malinvestment. Os investimentos dirigidos aos bens de capital e aos estágios iniciais do triângulo hayekiano são realizados com base em um sinal distorcido da taxa de juros, não refletindo as reais preferências dos consumidores. Quando a expansão monetária gera inflação, o Banco Central é forçado a elevar os juros, revelando a insustentabilidade desses projetos. Os investimentos que pareciam viáveis tornam-se inviáveis, levando ao fechamento de empresas e ao aumento do desemprego, caracterizando a fase de contração do ciclo (bust).

Esse ciclo de expansão e contração, gerado pela discrepância entre as taxas de juros de mercado e as taxas coerentes com a poupança real, constitui o cerne da TACE. No contexto brasileiro, a análise empírica apresentada por Barros (2020) sugere que a trajetória dos agregados monetários e de crédito entre 2006 e 2014 seguiu esse padrão, culminando na crise de 2014-2016.

A TACE postula que intervenções monetárias expansionistas, ao reduzirem artificialmente a taxa de juros, distorcem os sinais transmitidos aos investidores, provocando um alongamento da estrutura produtiva que não se sustenta, pois não reflete o aumento correspondente da poupança voluntária. Esse fenômeno resulta em investimentos em bens de capital que posteriormente se revelam mal direcionados (malinvestments), culminando em recessão quando o aumento da inflação exige a reversão da política monetária expansionista e a elevação dos juros (Hayek,1931; Rothbard, 2009; Mises, 2010).

Barros (2020) aplica empiricamente a TACE ao caso brasileiro, identificando um ciclo de expansão artificial do crédito, notadamente entre 2007 e 2014, dissociado de um aumento proporcional da poupança real. O autor verifica que essa expansão incentivou investimentos expressivos nos setores de bens de capital, particularmente na construção civil e na indústria de transformação, que posteriormente se mostraram insustentáveis quando, a partir de 2013, a inflação crescente exigiu uma elevação das taxas de juros. A retração desses investimentos e o consequente aumento do desemprego corroboram os postulados da TACE, que enfatizam a fragilidade do crescimento sustentado por crédito não lastreado.

Em síntese, a TACE difere das demais abordagens ao destacar a relação intertemporal entre crédito, taxa de juros e estrutura produtiva, oferecendo uma interpretação coerente para a dinâmica do ciclo brasileiro de 2006 a 2016. Essa perspectiva teórica possibilita reinterpretar elementos apontados pelas demais correntes, como a deterioração fiscal, os desequilíbrios externos e a queda dos investimentos, como manifestações dos desequilíbrios estruturais gerados durante a fase de boom do ciclo.

2. A Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos

Segundo Iorio (2010), a ação humana, tempo e incerteza são os pilares da teoria austríaca do capital. Ação humana é, de maneira geral, qualquer comportamento ou escolha deliberada. Os indivíduos agem, utilizando de meios para atingir determinados fins. Tais meios são, por definição, escassos em relação aos fins desejados, pois, caso contrário, todos os fins estariam plenamente satisfeitos perpetuamente. Os meios e os fins são subjetivamente analisados pelos agentes. Esse processo de análise dos meios para atingir fins é o que dá origem à atividade empresarial, i.e., a descoberta e criação de oportunidades pelas quais são satisfeitos os desejos humanos. Tal ação humana sempre se dá no tempo, da forma como é subjetivamente sentido por cada um, e sempre em estado de incerteza, pois nunca há garantia que os meios atingirão os fins desejados. Portanto, ainda segundo Iorio, podemos definir a economia em si como ação humana ao longo do tempo sob condições de incerteza.

A série temporal de etapas do processo de ação, ou seja, o tempo, é o que separa o indivíduo de seu fim desejado. Sob a perspectiva subjetiva do agente, quanto maior for tal série, em outras palavras, quanto mais longo for o tempo de espera para alcançar determinado fim, assim como quanto mais incerto for tal alcance, maior o valor ordinalmente esperado pelo agente. Caso contrário, o ser humano que age nunca escolheria algo que demanda mais tempo, pois o meio mais curto e menos incerto de atingir tal objetivo sempre seria o escolhido. Os seres humanos, quando agem, sempre esperam atingir seus fins da maneira mais rápida e menos arriscada (na análise subjetiva do próprio agente). Tal proposição só mudará no caso em que o agente, ao escolher um meio mais longo e mais incerto, espera um valor futuro maior. A esse fenômeno damos o nome de preferência temporal: os bens presentes são preferíveis aos bens futuros ou o adiamento de um valor presente exige uma recompensa maior no futuro. É daqui que se origina outro conceito econômico de extrema importância, o juro, que é de extrema importância para a TACE.

Tais etapas intermediárias do processo, no contexto da produção econômica, são chamadas por Bawerk de bens de capital ou bens de ordem inferior. Um exemplo simples é: na produção do bem de consumo final pão, a farinha é um bem de capital intermediário. É mister enfatizar que, na perspectiva austríaca, o capital não é apenas um bolo homogêneo que pode ser representado matematicamente como uma variável K, mas sim um conjunto de etapas heterogêneas e subjetivamente analisadas pelo agente produtor. Tal constatação é de extrema importância pois significa que mudanças nas políticas econômicas não alongam ou reduzem o processo de produção de maneira simultânea e homogênea, ou seja, não impactam os diferentes setores da economia da mesma maneira. Por essa razão (além de outras), a visão austríaca nega que é possível utilizar agregados econômicos para representar fielmente o estado de uma economia. Bawerk utiliza uma figura, chamada mosca de alvo, para ilustrar didaticamente como se dá a produção.

Gráfico 1

Círculos concêntricos de Bawerk

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Fonte: Böhm-Bawerk (1988)

Para o austríaco, cada círculo representa uma etapa da produção, começando do círculo menor, em que os fatores de produção mais básicos, como terra e trabalho, são utilizados. O processo produtivo se espalha de dentro para fora, dos bens de ordem inferior para os de ordem superior (os bens finais de consumo). Dado o fenômeno da preferência temporal, em que os bens futuros têm menor valor que os bens presentes, quanto mais longo (mais indireto, denominado por Böhm-Bawerk de roundabout) for o processo de produção, maior o valor futuro esperado e maior é o desenvolvimento do processo produtivo, ou seja, da economia como um todo.

O elemento que coordena tais etapas e expressa o valor do tempo da espera ou da abstinência do capital durante o processo de produção é exatamente a taxa de juros originária, chamada taxa natural de juros por Knut Wicksell (1851-1926). Isso significa algo notável: o valor dos bens não é apenas uma relação capital x trabalho, como suposto pelos ricardianos, mas capital x tempo.

Outro economista austríaco, Friedrich A. Hayek, expandindo os conceitos bawerkianos, também se utilizou de uma figura para ilustrar de maneira simples como se dá o processo de produção, o chamado triângulo hayekiano.

Gráfico 2

Triângulo hayekiano

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Fonte: Garrison (2002)

O eixo horizontal do triângulo representa as etapas do processo de produção, ou seja, o tempo necessário para produzir o bem final de consumo. A cada etapa subsequente, dado o fenômeno da preferência temporal, o valor do bem aumenta. Tal aumento é representado pelo eixo vertical do triângulo. Posto isso, podemos facilmente compreender que, um alongamento da estrutura de produção, i.e., mais etapas de produção, mais bens de capital, maior será a formação bruta de capital fixo, maior a produtividade e maior a produção da economia.

Uma maneira de entender como o valor do bem se eleva com cada etapa temporal subsequente de maneira simplificada e didática é com o exemplo a seguir. Imagine a produção de um automóvel, dividida em cinco etapas equivalentes. A primeira etapa produz 1/5 do automóvel, a segunda, mais 1/5 e assim sucessivamente, até a última etapa, em que 5/5 do automóvel, ou seja, o bem de consumo automóvel é finalizado. É fácil notar que cinco quintos de um automóvel, o valor da última etapa, é maior que um quinto de um automóvel, o valor da primeira etapa.

Como, portanto, é possível alongar ou estreitar a estrutura temporal de produção, para aumentar os bens de capital e elevar a produtividade da economia e vice-versa? Ora, o elemento que expressa o valor do tempo na economia, como apresentado acima, é o juro. Portanto, já é possível notar que uma mudança na taxa de juros terá considerável impacto na estrutura de capital e afetará a produção de uma economia.

Dito isso, quais elementos econômicos afetam a taxa de juros? Em geral, dois. A poupança e o mercado de crédito. A poupança pode ser definida como a parte dos recursos auferidos que não é consumida em determinado período. No sistema de contas nacionais, existe a conta poupança, que registra a quantia, no caso monetária, de dinheiro poupado pela economia brasileira. Sendo a taxa de juros, em relação ao dinheiro, o valor futuro que se paga para ter o dinheiro no presente, vemos que taxas altas de poupança, ou seja, mais oferta monetária, diminuem a taxa de juros e baixas taxas de poupança (menos oferta monetária) aumentam a mesma taxa.

Portanto, se houver um aumento real de poupança, a taxa de juros é reduzida, levando a um alongamento da estrutura do capital, deslocando os investimentos para os setores que produzem bens de ordens inferiores. O consumo é reduzido e o investimento cresce. O gráfico 3 ilustra tal processo ocorrendo.

Gráfico 3

Triângulo hayekiano alongado

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Fonte: Almeida (2018)

Se houver uma redução real na poupança, ou seja, maior consumo, o inverso ocorre. O investimento é reduzido e a produção decresce.

O outro elemento essencial é o mercado de crédito, que também está ligado à poupança. A oferta de crédito (ou de fundos emprestáveis) representa a vontade de emprestar à determinada taxa de juros e a demanda por crédito representa a vontade de tomar empréstimos para investir, também à determinada taxa de juros.

Gráfico 4

Mercado de crédito

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Fonte: Almeida (2018)

O gráfico acima ilustra como as mudanças no mercado de crédito afetam as taxas de juros. O eixo vertical possui os juros representados por ieq, que é a taxa de juros no equilíbrio entre oferta de crédito e demanda por crédito. Já no eixo horizontal, I representa os investimentos, S a curva de oferta de fundos emprestáveis e D a demanda por esses fundos.

Caso os agentes econômicos possuam preferência temporal baixa, ou seja, estão dispostos a poupar mais do que consumir, a poupança se eleva e a oferta de crédito aumenta. A curva S é deslocada para a direita, reduzindo a taxa de juros ieq e incentivando os investimentos. Consequentemente, a economia cresce. Se a preferência temporal é baixa e os agentes preferem consumir mais do que poupar, a poupança é reduzida e a oferta de crédito diminui. Ou seja, a curva S se desloca novamente, agora para a esquerda, aumentando os juros ieq e desestimulando os investimentos. A economia decresce. Sendo assim, a relação entre poupança, crédito e taxa de juros é extremamente importante para a economia.

A última coisa a ressaltar sobre a teoria do capital austríaca é chamada de fronteira de possibilidade de produção (FPP), uma curva que representa o nível máximo da capacidade produtiva de um país.

Gráfico 5

Fronteira de possibilidade de produção

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Fonte: Garrison (2002)

Nesse modelo clássico de Garrison (2002), qualquer ponto exatamente na curva demonstra que a economia está operando ao máximo da sua capacidade produtiva. Se o ponto na curva se desloca sobre a própria curva, estamos em um estado estacionário da economia. Entretanto, se a própria curva se desloca para a esquerda ou para a direita, temos uma retração e uma expansão da produção, respectivamente. Garrison afirma que o deslocamento da curva se dá pelo nível de investimento na economia, mais especificamente o investimento líquido, que é o investimento bruto menos a reposição do capital depreciado. Quando a preferência temporal é baixa, o investimento líquido é positivo e a produção expande. Caso o contrário, a produção retrai. Porém, Garrison argumenta outra coisa, relacionada à maneira que uma expansão ocorre. Se o consumo e investimento aumentam na mesma proporção em uma expansão, o investimento líquido aumentará. Porém, se o investimento aumenta em detrimento do consumo, o resultado líquido do investimento com o tempo é ainda maior, exatamente por causa do fenômeno da preferência temporal. O gráfico abaixo ilustra tal dinâmica.

Gráfico 6

Fronteira de possibilidade de produção expandida

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Fonte: Almeida (2018)

Estabelecidos os três pilares desse modelo da teoria austríaca do capital, a estrutura de produção, a fronteira de possibilidade de produção e o mercado de crédito, temos que a dinâmica macroeconômica da estrutura do capital pode ser representada pelo gráfico a seguir.

Gráfico 7

Dinâmica macroeconômica da estrutura do capital

Imagem para zoom

Fonte: Garrison (2002)

Como dito acima, mudanças nas preferências temporais dos agentes, ou seja, nas taxas de juros, impactam consideravelmente a economia como um todo. No modelo acima apresentado, há um agente econômico propositadamente ausente, pois tal modelo visa apresentar como é a produção econômica livre da interferência dele. Esse agente é o Estado. A Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos busca explicar exatamente como as políticas monetárias estatais interferem na dinâmica acima, e, em última instância, causam ciclos econômicos. Dados os três pilares acima estabelecidos, é possível delinear a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos.

A Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE) é a teoria do boom insustentável. A manipulação pelo Estado das taxas de juros e do mercado de crédito de maneira artificial, ou seja, que fuja das condições naturais de mercado, irão causar um período de expansão em uma economia, chamado de boom. Porém, exatamente por tal expansão ser causada artificialmente, inevitavelmente ocorrerá um período de retração, uma crise econômica, chamado de bust. É importante pontuar que nem toda crise econômica é explicada pela TACE e a mesma não se propõe a explicar todas elas. A TACE está relacionada a questão das manipulações estatais na política monetária de um país/região. Também ressalto que a mesma postula que o ciclo econômico irá ocorrer pelo crédito direcionado aos produtores, ou seja, é uma teoria dos investimentos. Isso quer dizer que se houver uma expansão monetária artificial e o dinheiro for dado diretamente aos consumidores, o ciclo não ocorrerá. Na perspectiva austríaca, a consequência será a inflação dos preços dos bens de consumo.

Podemos descrever o ciclo econômico do boom e do bust por etapas pois, como é da natureza de ciclos, eles se dão no tempo e possuem uma sequência definida. É difícil apontar com precisão a duração de um ciclo. Alguns podem durar anos e até décadas. O essencial é que todo e qualquer ciclo, não importa sua duração e particularidades, segue etapas bem definidas. A imagem abaixo ilustra de maneira clara como se dá um ciclo econômico de acordo com a teoria austríaca.

Gráfico 8

Etapas do ciclo econômico

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Fonte: Almeida (2018)

Vemos que um ciclo se inicia pela política monetária de expansão monetária artificial, seja via crédito ex nihilo (criado “do nada” pela autoridade monetária competente) seja via redução das taxas de juros (que é o mais comum). Naturalmente, as duas coisas estão interligadas, pois reduzir os juros é tornar o crédito mais barato e acessível. Porém, como aponta Rothbard (2009), não é estritamente necessário que as taxas de juros caiam para causar um ciclo econômico, pois o principal é a expansão creditícia artificial. O Estado pode reduzir artificialmente a taxa de juros, porém, se ela ainda se manter acima da taxa natural de juros, a taxa de mercado, os juros ainda estarão em patamar mais alto que o natural, o que sinaliza que a demanda por dinheiro e crédito é maior do que a pensada pelo Estado (isto, porém, é extremamente raro). A grande questão, será, portanto, a expansão monetária artificialmente engendrada pelo Estado.

Também é importante apontar o que é “artificial” no contexto analisado. Uma expansão monetária artificial (ou qualquer manipulação estatal artificial) simplesmente significa que o Estado está interferindo de maneira que o estado natural de fenômenos da economia, como a taxa de juros, não esteja em seu estado natural, i.e., no valor que teria em condições puras de mercado. Em outras palavras, a oferta e demanda de crédito possui ponto de equilíbrio X. Quando o Estado interfere, tal ponto é deslocado forçosamente para Y, mesmo que a demanda real por crédito dos agentes não tenha mudado (suas preferências temporais não mudaram).

Pois bem, vemos que o ciclo se inicia pela expansão monetária artificial. Segue-se que a poupança é reduzida e consumo e investimento são estimulados. A economia cresce, é a fase do boom. Isso se reflete no aumento do PIB, da renda, dos salários, na redução do desemprego, et cetera. Com o tempo, porém, com o aumento da oferta monetária, a inflação, especialmente nos setores de bens de capital, aumenta os preços dos fatores de produção. Com o contínuo crescimento da inflação, a política de expansão monetária é revertida para contê-la. As taxas de juros sobem e um cenário contracionista ocorre. É nesse momento que ocorre o ponto de inflexão e o boom se torna bust. Os investimentos feitos a partir da expansão de crédito artificialmente criado se revelam insustentáveis, eles são chamados malinvestments. Empresas reduzem sua produtividade ou até vão à falência, o consumo cai, a renda diminuiu e o desemprego aumenta. Com os juros mais altos, a poupança é estimulada. Configura-se, portanto, uma crise econômica, uma recessão.

A partir do modelo apresentado na seção acima, é possível detalhar melhor como tal dinâmica ocorre. Uma maneira interessante é comparar o que ocorreria se houvesse uma expansão através da poupança voluntária versus um ciclo através da poupança forçada pelo aumento artificial de crédito.

Uma expansão econômica pela poupança voluntária ocorre na situação em que a quantidade de dinheiro na economia é estável e representa verdadeiramente as preferências temporais dos agentes econômicos. A poupança é composta pelos fundos verdadeiramente poupados pelos agentes e não por expansão creditícia feita artificialmente. Portanto, para haver aumento na poupança real, deve haver redução no consumo. Pelo aumento da poupança voluntária temos maior oferta de fundos emprestáveis na economia. Consequentemente, a taxa de juros natural cai e o crédito (lastreado pela poupança real) se torna mais barato e acessível. O consumo diminui e os investimentos são deslocados para os setores de bens de ordem inferior, de bens de capital. No gráfico da fronteira de possibilidade de produção (FPP), ocorrerá uma mudança no ponto de equilíbrio, deslocando a curva do ponto A para o ponto B. Com essa mudança, a diminuição do consumo e aumento dos investimentos nos bens de ordem inferior, os estágios finais da estrutura de produção, responsáveis por produzir os bens de consumo, serão reduzidos, alongando a estrutura produtiva.

Gráfico 9

Expansão via poupança voluntária

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Fonte: Almeida (2018)

Com o deslocamento da curva dos fundos emprestáveis de S para S’ e a redução das taxas de juros, o retorno dos investimentos, em especial nos estágios iniciais de produção, serão mais atrativos. Como dita na seção anterior, ecoando Garrison (2002), tal dinâmica permitirá que, ao longo prazo, a fronteira de possibilidade de produção (FPP) seja maior, como ilustrado no gráfico 6. A economia se torna mais produtiva. É possível ver, portanto, que um aumento na poupança voluntária leva a uma economia que cresce de maneira estável e sustentável ao longo prazo. Como colocou Rothbard (2009, p. 933): “Assim, um aumento na economia resultante de uma queda nas preferências temporais leva a uma queda na taxa de juros e outra situação de equilíbrio estável com uma estrutura de produção mais longa e mais estreita”.

Em contraste, podemos utilizar o modelo para mostrar como seria o ciclo de poupança forçada. Com a expansão monetária feita de maneira artificial, realizada pela autoridade monetária, como o Banco Central, sem a mudança real das preferências temporais dos agentes, os investimentos aumentam, também alongando a estrutura produtiva de capital. Porém, ao contrário do que ocorre na expansão pela poupança voluntária, o consumo não é reduzido junto ao aumento dos investimentos, mas também é estimulado, criando uma disputa por recursos entre investimento e consumo. A estrutura de capital se expande tanto verticalmente, com a expansão dos setores de bens de consumo, quanto horizontalmente, com a expansão dos setores de bens de capital.

Gráfico 10

Expansão via crédito artificial

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Fonte: Garrison (2002)

O gráfico 10 ilustra bem como ocorre a dinâmica no ciclo de poupança forçada. Com a expansão artificial, ocorrem os malinvestments, investimentos que não ocorreriam em um cenário de condições naturais do mercado, ou seja, que não refletem verdadeiramente a situação real da economia, especialmente da escassez dos fatores de produção. É importante lembrar que os preços funcionam como transmissores de informação sobre o nível de escassez relativo dos bens. Sendo assim, o que a expansão artificial de crédito faz é exatamente distorcer os preços e transmitir a falsa informação de que existem mais recursos disponíveis para produção do que realmente existem. Essa falta de recursos é revelada ao longo prazo quando a pressão inflacionária eleva os juros e os preços agora informam que os investimentos feitos não são realmente lucrativos, iniciando a recessão. Mises (2010, p. 629) coloca da seguinte maneira: “Um dos efeitos da inflação é falsear o cálculo econômico e a realidade; é fazer com que surjam lucros aparentes ou ilusórios”. Com as taxas de juros elevadas, estimula-se a poupança voluntária e consequentemente o consumo é reduzido. A estrutura de produção é então encurtada e a curva da fronteira de possibilidade de produção (FPP) retrai para um nível menor, ou seja, ocorre uma crise econômica.

O referencial teórico acima demonstra que a expansão artificial de crédito causa ciclos econômicos insustentáveis.

3. Análise Histórica à Luz da Teoria Austríaca

A Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE) descreve um ciclo de expansão e contração (boom e bust) desencadeado pela manipulação da taxa de juros e pela expansão artificial do crédito, dissociada da poupança voluntária. Esse processo gera um alongamento insustentável da estrutura produtiva, com ênfase em setores intensivos em bens de capital, cuja fragilidade se revela quando o aumento da inflação força a elevação dos juros, resultando em colapso dos investimentos e aumento do desemprego. Nesta seção, a evolução da economia brasileira no período de 2006 a 2016 será analisada à luz desse referencial teórico, verificando-se se os dados relativos à oferta monetária, crédito, poupança, PIB, mercado de trabalho e inflação são compatíveis com a dinâmica prevista pela TACE.

Desde a implementação do Plano Real, em 1994, a política econômica brasileira se orientou pelo tripé macroeconômico: meta fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante. Essa estrutura conferiu relativa estabilidade à economia durante o período de 1994 a 2006. Contudo, a partir de 2006, com a substituição de Antônio Palocci por Guido Mantega no Ministério da Fazenda, consolidou-se uma mudança de orientação, com o desenvolvimento de uma política econômica voltada à expansão do crédito público e à intervenção estatal como motores do crescimento.

Como mostra o Gráfico 11, a análise do saldo das operações de crédito revela uma expansão significativa do crédito público entre 2008 e 2014, culminando em 2013 com a ultrapassagem do crédito estatal sobre o crédito privado. Essa dinâmica reflete a atuação dos bancos públicos como agentes da política anticíclica em resposta à crise de 2008 e está em consonância com a fase de boom prevista pela TACE, na qual a expansão artificial do crédito induz investimentos de longo prazo não sustentados pela poupança real. Ademais, a redução da taxa SELIC entre 2006 e 2013 evidencia a manipulação da taxa de juros como elemento propulsor desse ciclo. Esse período de juros baixos incentivou a realocação de recursos para setores sensíveis a crédito barato, particularmente os bens de capital e a construção civil.

Gráfico 11

Saldo das operações de crédito

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Fonte: Banco Central do Brasil (2023)

Os dados da taxa de poupança, conforme apresentado no Gráfico 12, revelam estabilidade durante o período de expansão do crédito, indicando que a ampliação da oferta monetária não foi acompanhada por um aumento correspondente na poupança voluntária. Esse descolamento entre crédito e poupança é interpretado, na perspectiva austríaca, como poupança forçada, característica essencial da fase inicial do ciclo econômico descrito pela TACE.

Gráfico 12

Saldos de crédito e poupança bruta total

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Fonte: Barros (2020)

A evolução do PIB durante o período reflete com precisão as fases de boom e bust. A partir de 2006, verifica-se um crescimento consistente do PIB, culminando em 2010 com uma alta de 7,5%. Esse crescimento está alinhado à teoria austríaca, que prevê a expansão da produção total como reflexo da alocação de recursos estimulada pela oferta artificial de crédito e pela redução da taxa de juros. Contudo, essa expansão ocorre de maneira insustentável, já que não se baseia em poupança voluntária. Entre 2014 e 2016, com o aumento da inflação e a elevação das taxas de juros, ocorre a retração do PIB, caracterizando a transição do boom para o bust, conforme previsto pela TACE e apresentado no Gráfico 13.

Gráfico 13

PIB trimestral do Brasil

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Fonte: Banco Central do Brasil (2023)

A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), indicador que mede os investimentos em bens de capital, também exibe uma dinâmica compatível com o ciclo boom-bust. Desde 2006, há um aumento expressivo dos investimentos, impulsionado pela expansão do crédito e pela redução da taxa de juros. Esse crescimento dos investimentos é particularmente acentuado nos setores de construção civil e indústria de transformação, setores típicos de bens de capital, cuja expansão é destacada pela TACE como característica da fase de boom. Essa relação é corroborada pelos dados do Gráfico 4, que mostram o crescimento significativo do emprego formal nos setores de bens de capital durante esse período, indicando o direcionamento de recursos e mão de obra para essas áreas. A partir de 2014, ocorre uma queda abrupta nos investimentos, refletindo o estouro do ciclo e a inviabilidade dos projetos iniciados sob expectativas distorcidas pelas políticas monetárias expansionistas. Esse movimento descendente também é acompanhado pela retração dos empregos nesses setores, conforme evidenciado no mesmo gráfico, reforçando o diagnóstico da TACE de que a má alocação de recursos em bens de capital é revelada durante a fase de bust.

Gráfico 14

Emprego formal no setor de bens de capital

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Fonte: Banco Central do Brasil (2023)

Os depósitos à vista possuem relevância especial, pois refletem a liquidez imediata disponível no sistema bancário e guardam relação direta com a capacidade dos agentes econômicos de realizar transações e financiar atividades produtivas. Tais depósitos são particularmente sensíveis às variações na taxa de juros, funcionando, portanto, como um importante termômetro para identificar o comportamento da oferta monetária e seus efeitos sobre o ciclo econômico. Observa-se um crescimento contínuo desses indicadores ao longo da década de 2000, com aceleração mais evidente entre 2004 e 2006, marcando o início da fase de boom.

Esse processo é interrompido por uma leve retração em 2008, em resposta à crise financeira internacional, seguida de nova expansão. A trajetória, contudo, sofre inflexão significativa em 2014, caracterizando uma contração severa, compatível com a fase de bust prevista pela Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE), momento em que a crise brasileira se consolida, conforme apresentado no Gráfico 5.

Gráfico 15

Depósitos à vista

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Fonte: Banco Central do Brasil (2023)

A oferta monetária também pode ser analisada por meio do indicador M1 e dos depósitos à vista, em conjunto com a trajetória histórica da taxa SELIC, conforme apresentado no Gráfico 16. O M1 representa a soma do papel-moeda em poder do público e dos depósitos à vista nos bancos, sendo um indicador relevante da liquidez na economia. A SELIC, por sua vez, corresponde à taxa básica de juros do mercado interbancário, que serve como referência para as taxas de juros praticadas no mercado financeiro.

Entre 2006 e 2016, observa-se uma tendência de redução da SELIC até o final de 2013, quando ocorre uma inflexão e a taxa passa a ser gradualmente elevada. Esse comportamento está alinhado à dinâmica do ciclo boom-bust descrita pela TACE: o período de queda dos juros coincide com a fase de boom, enquanto a elevação da SELIC marca o início da fase de bust e a eclosão da crise. Em paralelo, verifica-se que, desde o ano 2000, a SELIC seguiu uma trajetória predominantemente descendente, ao passo que o M1 apresentou crescimento constante, caracterizando o processo de expansão monetária. O Gráfico 16 evidencia que, por volta de 2014, ocorre um ponto de inflexão em que a elevação da SELIC é acompanhada por uma retração do M1, coincidindo com o agravamento da crise econômica brasileira no triênio 2014-2016. Esses dados confirmam a expressiva expansão da oferta monetária durante a década de 2000, com aceleração notável a partir de 2006 e intensificação do crédito estatal a partir de 2008, quando este passa a superar o crédito privado em volume, atingindo esse marco em 2013.

Gráfico 16

Trajetória do M1 e da SELIC

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Fonte: Almeida (2018)

Entre 2006 e 2013, de acordo com dados do Banco Central do Brasil (BACEN), o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro apresentou crescimento real em todos os anos, destacando-se o expressivo avanço de 7,5% em 2010. Esse período corresponde à fase de boom, caracterizada pela expansão do crédito e pelos estímulos monetários. Entretanto, conforme já discutido, o ciclo começa a se reverter ao final de 2013, consolidando-se em 2014, quando o crescimento do PIB desacelera para modestos 0,5%, conforme apresentado no Gráfico 17.

Nos anos subsequentes, com a elevação contínua da taxa de juros e a revelação dos investimentos insustentáveis (malinvestments), a economia brasileira entrou em forte recessão: o PIB retraiu-se em 3,8% em 2015 e em 3,6% em 2016. Essa contração acumulada de 7,23% foi de tal magnitude que fez o nível de atividade econômica regredir ao patamar observado em 2010, evidenciando a severidade do bust previsto pela Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE).

Gráfico 17

Variação real do PIB brasileiro

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Fonte: Almeida (2018)

A análise do comportamento do PIB per capita permite compreender, de forma mais próxima, como os ciclos econômicos impactam diretamente o nível de renda da população. No ano 2000, o PIB per capita brasileiro era de aproximadamente US$ 4.000. A partir de 2003, observa-se um crescimento contínuo, atingindo cerca de US$ 13.000 em 2011, período que corresponde à fase de expansão do ciclo econômico. No entanto, a partir desse mesmo ano, inicia-se um movimento de retração desse indicador, que atinge aproximadamente US $ 9.000 em 2016. Esse retrocesso evidencia a severidade da crise, já que, ao final do triênio recessivo, o nível de produção per capita do brasileiro havia retornado ao mesmo patamar de 2008, anulando praticamente todos os ganhos obtidos ao longo de oito anos.

Gráfico 18

PIB per capita brasileiro (US$)

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Fonte: Banco Mundial (2023)

Outro indicador relevante para a compreensão dos efeitos do ciclo econômico é emprego formal no setor de bens de consumo, conforme mostra o Gráfico 9. Durante a fase de expansão, o aumento da produção estimula investimentos, sobretudo no setor de bens de capital, o que eleva a demanda por mão de obra e reduz o desemprego. Conforme discutido anteriormente, esse movimento também se reflete no setor de bens de consumo, abrangendo atividades como comércio e serviços, que igualmente se beneficiam do estímulo ao consumo proporcionado pelo crédito farto e pelos juros baixos. Assim, espera-se que, durante o boom, o emprego cresça simultaneamente nos setores produtivos e no comércio.

Na etapa de retração, no entanto, a inviabilidade dos investimentos mal direcionados leva as empresas a reduzirem suas atividades ou mesmo encerrarem suas operações. Paralelamente, a elevação dos juros desestimula o consumo, resultando em queda generalizada da demanda por mão de obra e aumento do desemprego. Os dados apresentados no gráfico evidenciam essa dinâmica: verifica-se uma ampliação do emprego formal no comércio e nos serviços durante o período de boom, refletindo o estímulo ao consumo. Contudo, essa trajetória se reverte com o início da crise, e a retração da atividade econômica resulta na destruição de postos de trabalho. Estima-se que, apenas nesses setores, aproximadamente 1 milhão de empregos formais tenham sido perdidos durante a fase de bust.

Gráfico 19

Emprego formal no setor de bens de consumo

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Fonte: Banco Central do Brasil (2023)

Se os investimentos e o consumo foram estimulados durante a fase de boom, é esperado que esse impulso tenha sido particularmente evidente nos setores de bens de capital, como a indústria de transformação e a construção civil. No entanto, conforme postula a TACE, também se espera que, na fase de bust, esses setores sofram com um ajuste ainda mais severo em comparação aos setores voltados ao consumo, uma vez que é justamente a má alocação de capital nos bens de capital que desencadeia o colapso do ciclo.

Em 2005, as indústrias de transformação empregavam aproximadamente 5 milhões de trabalhadores formais. Esse número cresceu significativamente ao longo da fase de expansão, atingindo cerca de 8,5 milhões de empregos formais em 2014, o que representa um aumento de 3,5 milhões de postos de trabalho. De modo semelhante, o setor da construção civil apresentou crescimento expressivo: de aproximadamente 1 milhão de vagas formais em 2005 para cerca de 3 milhões em 2014, um acréscimo de 2 milhões de empregos. Esses dados evidenciam a forte geração de postos de trabalho nos setores de bens de capital durante o boom, em consonância com as previsões da TACE.

Contudo, como esperado pela teoria, a reversão do ciclo a partir de 2014 resultou em uma acentuada destruição de empregos nesses mesmos setores. Somadas, as perdas de postos de trabalho formais na indústria de transformação e na construção civil superaram 2 milhões de vagas. Em termos gerais, de acordo com o IBGE (2023), a taxa de desemprego, que era de 9,8% em 2005, havia caído para 6,8% em 2014, no início da fase de bust. Com o aprofundamento da crise, a taxa subiu para 11,5% em 2016 e, mesmo após a saída da recessão técnica em 2017, atingiu 12,7%. Esse aumento de mais de 90% na taxa de desemprego, entre dezembro de 2014 e dezembro de 2017, reflete a severidade do colapso econômico. A análise do emprego formal, conforme ilustrado no Gráfico 10, evidencia de forma clara o impacto da má alocação de capital sobre o mercado de trabalho, sobretudo nos setores de bens de capital, corroborando o diagnóstico da Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos.

Gráfico 20

Emprego formal geral

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Fonte: Banco Central do Brasil (2023)

O último indicador a ser examinado é a inflação de preços, conforme apresentado no Gráfico 21. Sob a perspectiva da Escola Austríaca de Economia, a inflação é definida como o aumento da oferta monetária, e não apenas como a elevação dos preços. O aumento generalizado dos preços é, portanto, visto como uma consequência da expansão monetária que não é acompanhada por um crescimento correspondente na produtividade da economia. Em outras palavras, há um excesso de moeda circulando na economia em relação à disponibilidade de bens e serviços, o que pressiona os preços para cima.

Considerando essa definição, a inflação esteve presente ao longo do período analisado, acompanhando a expansão da oferta monetária já demonstrada. De acordo com a TACE, ao longo do ciclo econômico, espera-se que o aumento dos preços ocorra especialmente nos bens de capital e nos estágios iniciais da estrutura produtiva, uma vez que esses setores são os primeiros a absorver o crédito artificialmente expandido. Para captar essa dinâmica inflacionária, são utilizados dois indicadores: o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA-M), elaborado pela FGV (2023), que mede as variações nos preços dos produtos industriais nas transações interempresariais, ou seja, nos estágios intermediários da cadeia produtiva; e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE (2023), que registra a variação dos preços dos bens e serviços finais e é o índice oficial da inflação de preços ao consumidor no Brasil.

Em 2006, no início da série analisada, o IPA-M situava-se em patamar ligeiramente inferior a 400 pontos. Ao final de 2016, esse índice ultrapassava 700 pontos. Em julho de 2017, em meio à crise, observou-se uma retração desse indicador, acompanhando o desaquecimento da economia. Esses dados evidenciam o aumento expressivo dos preços ao produtor durante o período de expansão do ciclo, em linha com a previsão da TACE, segundo a qual a ampliação dos investimentos nos setores de bens de ordens superiores, fomentada pela expansão artificial do crédito, exerce pressão inflacionária sobretudo nos preços dos bens de capital e insumos industriais.

Gráfico 21

Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA-M)

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Fonte: FGV (2023)

A análise do comportamento do IPCA também revela um aumento expressivo da inflação ao longo do período. Entretanto, é necessário considerar uma particularidade relevante: nos anos que antecederam a crise, o índice foi artificialmente contido por medidas de controle de preços adotadas pelo governo Dilma Rousseff, notadamente no setor energético e em outros segmentos regulados. Essas intervenções distorceram o indicador oficial, fazendo com que ele não refletisse, de forma fidedigna, a real dinâmica inflacionária subjacente.

Diante disso, torna-se imprescindível distinguir os preços livres – formados pela livre interação entre oferta e demanda – dos preços administrados ou controlados pelo governo. Essa diferenciação evidencia a discrepância entre ambas as categorias, sobretudo nos anos imediatamente anteriores à crise, como 2013 e 2014. Em 2013, por exemplo, a variação dos preços livres superou em quase 7 pontos percentuais a dos preços administrados, evidenciando que a inflação subjacente foi significativamente superior àquela capturada pelo índice agregado.

Os preços livres, menos sujeitos a intervenções estatais, exibiram uma trajetória ascendente a partir de 2006, saindo de aproximadamente 2% e atingindo 8% em 2008. Após uma leve desaceleração em razão da crise financeira internacional, os preços retomaram forte alta a partir de 2010, acompanhando a fase final do boom. Com a deterioração do quadro econômico e a retirada progressiva dos controles de preços, a inflação acumulada medida pelo IPCA atingiu 10,67% em 2015 – valor muito superior à meta oficial de 4,5% para o ano. Esse resultado representou um desvio de 137% em relação à meta, evidenciando a pressão inflacionária reprimida que se manifestou plenamente durante a crise.

Gráfico 22

Preços controlados e preços livres

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Fonte: Roque (2017)

A análise dos dados macroeconômicos do Brasil entre 2006 e 2016 revela uma trajetória compatível com a dinâmica de boom e bust descrita pela Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE). A expansão artificial do crédito, impulsionada pela política de juros baixos e pela atuação dos bancos públicos, gerou um ciclo de crescimento insustentável, caracterizado pela alocação excessiva de recursos nos setores de bens de capital e pela elevação do consumo. Esse movimento resultou em distorções na estrutura produtiva e em pressões inflacionárias, mascaradas em parte por controles de preços. Quando a inflação se tornou insustentável e a política monetária foi revertida com a elevação dos juros, os investimentos mal direcionados se mostraram inviáveis, desencadeando a recessão severa observada a partir de 2014. A elevação do desemprego e a contração do PIB consolidaram a fase de bust, confirmando o diagnóstico austríaco de que o crescimento sustentado por crédito sem lastro em poupança real conduz, inevitavelmente, a um colapso econômico. Esse ciclo histórico brasileiro evidencia, portanto, a relevância da TACE como ferramenta analítica para compreender os efeitos de intervenções monetárias expansionistas sobre a estrutura produtiva e o bem-estar econômico.

Conclusão

O presente estudo teve como objetivo investigar as causas da crise econômica brasileira de 2014-2016 à luz da Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE). Diferentemente das abordagens predominantes na literatura, que atribuem a recessão a fatores como erros de condução da política econômica, choques externos ou queda da demanda agregada, o presente trabalho buscou interpretar o colapso econômico como resultado do ciclo boom-bust gerado pela manipulação monetária e pela expansão artificial do crédito, conforme delineado pela TACE.

Para alcançar esse objetivo, foi empregada uma abordagem metodológica baseada em análise histórica e interpretação teórico-empírica. Inicialmente, realizou-se uma revisão da literatura acerca das principais interpretações da crise, com destaque para a perspectiva austríaca. Em seguida, foram apresentados os fundamentos teóricos da TACE, com ênfase nas noções de estrutura intertemporal da produção, preferência temporal, poupança voluntária e poupança forçada, além dos conceitos de malinvestment e triângulo hayekiano. Na terceira etapa, procedeu-se à análise de indicadores macroeconômicos do período de 2006 a 2016, incluindo a oferta monetária, o crédito, a taxa de juros, o PIB, o mercado de trabalho e a inflação, buscando verificar se a dinâmica do ciclo econômico brasileiro foi compatível com os postulados da TACE.

Os resultados obtidos indicam que a trajetória da economia brasileira nesse período é consistente com o ciclo boom-bust descrito pela teoria austríaca. Identificou-se uma expansão artificial do crédito a partir de 2006, intensificada com a atuação dos bancos públicos após a crise de 2008 e durante a Nova Matriz Econômica, sem o correspondente aumento da poupança voluntária. Essa expansão, combinada com a redução forçada da taxa de juros, incentivou investimentos expressivos nos setores de bens de capital, como construção civil e indústria de transformação, caracterizando o alongamento insustentável da estrutura produtiva. O crescimento do PIB e do emprego formal nesses setores, acompanhado pelo aumento do consumo, caracterizou a fase de boom. Contudo, a pressão inflacionária crescente levou à elevação da taxa SELIC a partir de 2013, revelando a inviabilidade dos investimentos mal direcionados e desencadeando a fase de bust. O resultado foi a retração do PIB, a destruição de milhões de empregos, especialmente nos setores de bens de capital, e o agravamento das taxas de desemprego. Esses achados corroboram a hipótese central do estudo: a crise econômica brasileira de 2014-2016 pode ser adequadamente explicada pelos mecanismos delineados pela TACE. A expansão monetária e creditícia, ao desarticular os sinais intertemporais entre poupança e investimento, levou à má alocação de recursos e, consequentemente, ao colapso da atividade econômica quando as distorções se tornaram evidentes.

Contudo, algumas limitações da pesquisa devem ser reconhecidas. Primeiramente, a análise se concentrou majoritariamente em indicadores macroeconômicos agregados, o que, embora suficiente para captar a dinâmica geral do ciclo, não permite examinar em profundidade as especificidades setoriais e microeconômicas dos investimentos mal direcionados. Além disso, não foram realizadas modelagens quantitativas ou econométricas para mensurar de modo mais preciso as relações causais entre expansão monetária, investimentos e recessão. Diante dessas limitações, sugere-se que pesquisas futuras avancem na aplicação da TACE ao caso brasileiro por meio de estudos setoriais mais detalhados, investigando os padrões específicos de malinvestment em setores como construção civil e infraestrutura

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Publicado: 07 maio 2025

MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics, São Paulo, 2025, v. 13.